Liu Arruda é na verdade Elonil de Arruda. Filho de Nilson de Arruda e Tanita Marques de Pinho Arruda, era o caçula e o único cuiabano entre os dez filhos do casal. Deu o ar da graça no mundo dia 30 de maio de 1957 e, desde então, esbanjou criatividade e inteligência por onde passou.
Mesmo criança, seu raciocínio era rápido e tinha sempre bons argumentos. Sua destreza com as palavras e as pessoas é confirmada pela irmã mais velha, Cleuza Adjacira Helena de Arruda. Elonil sempre foi bom de resposta e muito engraçado. Era o palhaço da família., comenta.
Não tinha nem tamanho quando cismou que ia ser alguém importante na vida. Para Cleuza o irmão era uma criança com cabeça de gente grande.
Canhoto, gostava de escrever e ler poesias. Liu tinha o hábito de compartilhar com as irmãs textos que lhe chamavam a atenção. Tinha alguns autores preferidos como Fernando Pessoa, Carlos Drummond de Andrade, Fernando Sabino e Clarice Lispector.
Apesar de danado não era um garoto brigão. Sua veia artística foi herdada da avó que tocava bandolim e violão, além da mãe que chegou a fazer teatro durante a juventude. Da mãe, Liu Arruda também herdou o senso de humor, uma das suas características mais marcantes.
A outra irmã Ceila Maria Marques de Arruda, que também já mostrou os dotes artísticos sendo cantora por um tempo, sempre foi apegada ao caçula. No final da tarde, ela gostava de dar banho no irmão, vesti-lo com uma roupa bem bonita para poder esperar a mãe chegar do trabalho em frente ao portão de casa.
Na adolescência, época que estudava no Colégio Salesiano São Gonçalo (CSSG), o ator sentiu na pele o preconceito quando uma professora chamou sua mãe de lavadeira na frente dos colegas da classe. Segundo suas irmãs, Liu era muito orgulhoso e nunca esqueceu a humilhação. Cleuza lembra que o irmão reencontrou a tal professora, mas desta vez, já era famoso e teve a oportunidade de ser indiferente aos elogios disparados por ela.
Sua ideologia e seu discurso crítico batiam de frente com os padres da escola. Para os párocos Liu era rebelde, já que gostava de falar verdades que ninguém ousava dizer e a sua língua ferina desafiava a instituição religiosa. Desavenças a parte, foi no CSSG o cenário da primeira experiência teatral do artista, na época com 11 anos.
Concluído o segundo grau, Liu Arruda resolveu estudar fora de Cuiabá. Sua primeira parada foi em São Paulo, onde fez cursinho para vestibular e trabalhou como feirante. Na capital paulista, morava em uma república de estudantes e costumava fazer os serviços domésticos em troca de alguma ajuda financeira. Como o dinheiro era curto e não dava para pagar o material de estudo, ele tirava fotocópias de livros e apostilas dos seus colegas de moradia.
Tempo depois, em meados dos anos 80, Liu passou no vestibular para o curso de Comunicação Social na área de Propaganda, na Universidade Gama Filho, no Rio de Janeiro. Na cidade maravilhosa morou com amigos e foi constantemente amparado financeiramente pela irmã Ceila, que na época ganhava razoavelmente bem pelas suas apresentações como cantora na antiga e famosa casa noturna cuiabana Sayonara, no bairro Boa Esperança.
A opção pela capital fluminense foi motivada por ser moda entre os cuiabanos naquela época. Segundo seus familiares, o ator sempre gostou de conviver com a elite, de fazer parte da nata da sociedade.
Assim que se formou em Propaganda, voltou a Cuiabá e pôs em prática seus dotes empresariais ao montar um negócio de lanches naturais chamado Priority. A ideia surgiu quando morava no Rio de Janeiro, já que a cidade é famosa pelos aperitivos naturebas. Os lanches eram vendidos em um local em forma de disco voador, que ficava estacionado na Avenida do CPA, em Cuiabá, no trecho em frente à entrada do bairro Canjica. O pequeno negócio deu certo e Liu chegou a ganhar muito dinheiro. Infelizmente as atividades acabaram sendo encerradas tragicamente após um carro ter batido contra o estabelecimento atingindo Liu, que quebrou a clavícula, e um funcionário, que perdeu as duas pernas. O motorista não prestou socorro. Liu ficou traumatizado com o episódio e desistiu da empresa.
A partir daí, Liu Arruda resolveu focar na carreira artística e juntou-se ao Grupo Gambiarra, que fazia teatro de rua na Capital. Desenvolveu vários trabalhos junto à equipe no final da década de 80 e início dos anos 90, como a peça A Virgindade Contestada e As Dondocas da República das Flores.
O artista também trabalhou por 10 anos como professor no colégio Pernalonga, em Cuiabá, dando aulas de Educação Artística, Teatro e Redação. Foi ainda repórter da TV Centro América, filiada da Rede Globo na capital mato-grossense, por um curto período.
Liu Arruda era sistemático e extremamente profissional em todos os seus trabalhos. Como sofria de insônia, grande parte de seus projetos eram elaborados durante a madrugada. Bianca de Arruda, sobrinha do ator, relembra várias demonstrações da personalidade forte do tio, já que trabalhou com ele durante algum tempo. Ele sempre foi brincalhão, gostava de sacanear as pessoas, mas ao mesmo tempo era sério com as suas obrigações, gostava das coisas certas e de cumprir horários, enfatiza.
O tino empresarial era muito marcante nas ações de Liu. Era um homem visionário e sempre foi seu próprio patrão. Em meados dos anos 90 ele abriu o bar Teatro de Varanda, que depois passou a se chamar Nó de Cachorro. O local era palco de espetáculos e a ideia era dar oportunidade aos artistas regionais a apresentarem suas peças à sociedade cuiabana, sem distinção de classe social. O objetivo era popularizar as manifestações culturais.
O ator fez muito sucesso quando foi garoto propaganda do antigo supermercado Trento Junior. Liu também participou das novelas O Campeão, da TV Bandeirantes e A Lenda, da extinta TV Manchete. Também fez uma breve participação na novela da TV Globo Suave Veneno e, ainda, lançou o CD Ocê Qué Vê, Escuta, com catorze faixas, sete músicas e sete piadas.
Era unanimidade entre os cuiabanos e amigo de muita gente importante da cidade. A personagem Comadre Nhara, resultado da parceria entre o ator e o diretor Chico Amorim, foi a mais querida da população da cidade e chegou a ganhar coluna de jornal impresso e programa de televisão.
Durante a sua carreira, a relação do artista com a família foi se distanciando, já que os familiares tornaram-se evangélicos e ele cada vez mais envolvido com o trabalho. Dessa forma, Liu foi se aproximando cada vez mais dos amigos e de sua platéia. Por outro lado, o ator era conhecido pelo temperamento forte e por não ter muitos limites para conseguir o desejado.
Liu Arruda contraiu o vírus do HIV, mas não contava a ninguém. Quando ficava mal por causa da doença, ia espairecer no Rio de Janeiro. O tratamento o engordou muito e como a Ramona, uma de suas mais importantes personagens, era uma mulher esbelta, Liu resolveu fazer uma lipoaspiração. Como a família era contra, não revelou nem quando nem com qual médico iria fazer a cirurgia. Após o procedimento cirúrgico, Liu pegou infecção e foi encaminhado para a Unidade de Tratamento Intensivo (UTI), do Hospital Santa Rosa, em Cuiabá. Seu rim parou e teve que fazer diálise.
Ao ter alta hospitalar, voltou ao trabalho. Era muito teimoso e não compartilhava com quase ninguém o fato de ser soropositivo. Liu Arruda faleceu no dia 24 de outubro de 1999, aos 42 anos, na Santa Casa de Misericórdia, na Capital.
Após a sua morte, Liu Arruda recebeu várias homenagens pelo seu trabalho como artista mato-grossense, com destaque a Sala Liu Arruda no Museu do Rio e Espaço Cultural Liu Arruda do Tribunal de Contas de Mato Grosso inaugurado em 2009, ambos locais em Cuiabá.
O artista também foi tema da exposição Quarto de vestir – Exposição dos figurinos de Liu Arruda, que teve a curadoria de Juliana Capilé em 2008. O evento reuniu figurinos e fotografias do ator, que ficaram expostos no Museu da Imagem e do Som (Misc), na Capital. Na opinião da curadora, Liu foi um grande talento e contribuiu de forma intensa para o fomento da cultura no Estado. Liu foi um grande ator, de uma capacidade cômica impressionante. Ele improvisava com muita rapidez e estava sempre atendo a qualquer movimento da platéia. Conseguiu uma projeção que poucos experimentaram por aqui, completa Capilé.
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