O figurino da peça era estereotipado e um tanto exagerado. Jeová Torresmo tinha uma grande barriga postiça, enquanto Ludovica usava óculos enormes e roupas de senhora. As roupas da Felícia eram mais parecidas com trajes de uma cafetina do que uma parteira e em todas as cenas carregava uma tesoura cenográfica gigantesca.
De acordo com o diretor do espetáculo, o figurino era inspirado no Teatro do Absurdo, gênero que surgiu na metade do século XX e tinha a característica de representar no palco a crise social que a humanidade vivia, apontando os paradigmas e os valores morais da sociedade como fatores principais para as dificuldades. Tendo como principal fonte de inspiração a burguesia ocidental, essa vertente desvela o real como se fosse irreal, com forte ironia, intensificando as neuroses de personagens que divulgam o homem como um ser sofredor, que chaga as últimas conseqüências, resultando sempre no atrito, na revolução e na crise. Essa linguagem é embutida não só nas palavras das personagens, mas sim em todo o contexto, já que cada elemento no Teatro do Absurdo influencia a mensagem, inclusive os objetos cênicos, a iluminação densa e utópica e os figurinos.
A história começa com Ludovica, uma beata incorrigível e cheia de energia, recitando em voz alta uma oração para casar embalada por uma música barroca de fundo musical. À medida que recita a prece, uma sutil excitação vai tomando conta do seu corpo, obrigando-a a usar um leque para poder se recompor. A senhora é dona da Flor de Liz, uma porquinha criada por ela como se fosse uma filha.
Seu Jeová Torresmo, vizinho de Ludovica, é suinocultor e empresário do segmento agropecuário. Um dos seus negócios trata-se de um banco de sêmen, onde espermatozóides dos porcos são usados para enxertos artificiais em toda a América Latina. Pau de Sebo é o seu melhor reprodutor e, por conta disso, recebe tratamento diferenciado. Toma banho com xampu perfumado três vezes ao dia e dorme em uma pocilga azulejada e refrigerada em temperatura variando entre 18º e 22º.
O impasse começa quando Seu Jeová acusa Flor de Liz de ter tido um caso amoroso com Pau de Sebo e exige de Ludovica o pagamento de o equivalente a R$ 2.000,00 atuais pela cobertura do seu macho reprodutor. Ludovica, por sua vez, não aceita a acusação do suinocultor alegando que a sua querida porquinha é virgem e de família. Os dois então resolvem chamar Felícia, famosa parteira da região, a fim de comprovar a tão propalada virgindade.
No primeiro momento a profissional rebela-se, afinal tem o currículo repleto de partos de pessoas importantes na sociedade e recusa-se a fazer o toque na porquinha. Somente depois da oferta de um bom pagamento, Felícia acaba concordando em fazer o exame ginecológico no animal.
A trama segue com a constatação de que a porquinha de Ludovica é virgem, mas está prenha. Após a confirmação, a apresentação encerra com o casamento entre Flor de Liz e Pau de Sebo, com direito a marcha nupcial e depois baile ao som do rasqueado cuiabano.
Assim como o figurino, a linguagem não-verbal também era inspirada no Teatro do Absurdo. Os gestos das personagens eram sempre largos e exagerados. Todo o enredo da trama era encenado na rua sem qualquer separação entre os artistas e a platéia. A peça continha elementos circenses, além de muito improviso. O ator de teatro de rua tem que pensar muito rápido, é um constante exercício para esse profissional, que engrandece ao agregar com o público que o assiste.
Ao assistir o espetáculo, o público se deparava com questões sobre relacionamento humano, além de sátiras sobre assuntos considerados tabus na época, como a virgindade, o ato sexual – mesmo que, no caso da peça, envolvesse animais – e o casamento. Os atores debochavam desses temas e abusavam do humor, o que fazia com que a platéia absorvesse a mensagem embutida na produção teatral com mais leveza.
A Virgindade Contestada, além de se enquadrar na vertente do teatro popular, também se encaixa gênero político. O diretor Luiz Ribeiro comentou durante entrevista feita pelas autoras deste trabalho em março deste ano que o teatro político não pode ter o riso só pelo riso, se não perde o tom de crítica inteligente.
O espetáculo voltou a ser encenado em 1994 com a participação de Claudete Jaudy, Ivan Belém e Toty Martins, que substituiu o ator Liu Arruda. O trio fez apresentações em praças públicas, bares e restaurantes.
Após quase 20 anos da sua primeira encenação, A Virgindade Contestada foi remontada pelo grupo de teatro independente Atores em Metamorfoses, de Tangará da Serra. Os atores fizeram diversas apresentações no Estado, dessa vez dirigidos por Carlos Briagiolli. Em janeiro de 2009, o grupo se apresentou na Praça 8 de Abril, mais conhecida como Praça do Choppão, em Cuiabá. Na ocasião, alguns protagonistas da cena teatral mato-grossense foram homenageados, entre eles o ator Liu Arruda. Com a nova montagem, a equipe ganhou o prêmio de melhor ator, melhor ator revelação e melhor figurino no 16º Festival Mato-grossense de Teatro (Femat) de 2008, além de ter sido escolhida para representar o Estado no Festival Internacional de Teatro de Florianópolis no mesmo ano.

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Espia aí, Liu Arruda - O Objetivo deste Blog é compartilhar com os profissionais da área e demais curiosos sobre a vida e obra de Elonil Arruda, mais conhecido como Liu Arruda. Por ser nosso produto de Monografia (TCC I) no qual obtivemos depoimentos de pessoas que conviveram diretamente com o nosso objeto de estudo. Cuiabá-MT,2010