Liu Arruda é na verdade Elonil de Arruda. Filho de Nilson de Arruda e Tanita Marques de Pinho Arruda, era o caçula e o único cuiabano entre os dez filhos do casal. Deu o ar da graça no mundo dia 30 de maio de 1957 e, desde então, esbanjou criatividade e inteligência por onde passou.
Mesmo criança, seu raciocínio era rápido e tinha sempre bons argumentos. Sua destreza com as palavras e as pessoas é confirmada pela irmã mais velha, Cleuza Adjacira Helena de Arruda. Elonil sempre foi bom de resposta e muito engraçado. Era o palhaço da família., comenta.
Não tinha nem tamanho quando cismou que ia ser alguém importante na vida. Para Cleuza o irmão era uma criança com cabeça de gente grande.
Canhoto, gostava de escrever e ler poesias. Liu tinha o hábito de compartilhar com as irmãs textos que lhe chamavam a atenção. Tinha alguns autores preferidos como Fernando Pessoa, Carlos Drummond de Andrade, Fernando Sabino e Clarice Lispector.
Apesar de danado não era um garoto brigão. Sua veia artística foi herdada da avó que tocava bandolim e violão, além da mãe que chegou a fazer teatro durante a juventude. Da mãe, Liu Arruda também herdou o senso de humor, uma das suas características mais marcantes.
A outra irmã Ceila Maria Marques de Arruda, que também já mostrou os dotes artísticos sendo cantora por um tempo, sempre foi apegada ao caçula. No final da tarde, ela gostava de dar banho no irmão, vesti-lo com uma roupa bem bonita para poder esperar a mãe chegar do trabalho em frente ao portão de casa.
Na adolescência, época que estudava no Colégio Salesiano São Gonçalo (CSSG), o ator sentiu na pele o preconceito quando uma professora chamou sua mãe de lavadeira na frente dos colegas da classe. Segundo suas irmãs, Liu era muito orgulhoso e nunca esqueceu a humilhação. Cleuza lembra que o irmão reencontrou a tal professora, mas desta vez, já era famoso e teve a oportunidade de ser indiferente aos elogios disparados por ela.
Sua ideologia e seu discurso crítico batiam de frente com os padres da escola. Para os párocos Liu era rebelde, já que gostava de falar verdades que ninguém ousava dizer e a sua língua ferina desafiava a instituição religiosa. Desavenças a parte, foi no CSSG o cenário da primeira experiência teatral do artista, na época com 11 anos.
Concluído o segundo grau, Liu Arruda resolveu estudar fora de Cuiabá. Sua primeira parada foi em São Paulo, onde fez cursinho para vestibular e trabalhou como feirante. Na capital paulista, morava em uma república de estudantes e costumava fazer os serviços domésticos em troca de alguma ajuda financeira. Como o dinheiro era curto e não dava para pagar o material de estudo, ele tirava fotocópias de livros e apostilas dos seus colegas de moradia.
Tempo depois, em meados dos anos 80, Liu passou no vestibular para o curso de Comunicação Social na área de Propaganda, na Universidade Gama Filho, no Rio de Janeiro. Na cidade maravilhosa morou com amigos e foi constantemente amparado financeiramente pela irmã Ceila, que na época ganhava razoavelmente bem pelas suas apresentações como cantora na antiga e famosa casa noturna cuiabana Sayonara, no bairro Boa Esperança.
A opção pela capital fluminense foi motivada por ser moda entre os cuiabanos naquela época. Segundo seus familiares, o ator sempre gostou de conviver com a elite, de fazer parte da nata da sociedade.
Assim que se formou em Propaganda, voltou a Cuiabá e pôs em prática seus dotes empresariais ao montar um negócio de lanches naturais chamado Priority. A ideia surgiu quando morava no Rio de Janeiro, já que a cidade é famosa pelos aperitivos naturebas. Os lanches eram vendidos em um local em forma de disco voador, que ficava estacionado na Avenida do CPA, em Cuiabá, no trecho em frente à entrada do bairro Canjica. O pequeno negócio deu certo e Liu chegou a ganhar muito dinheiro. Infelizmente as atividades acabaram sendo encerradas tragicamente após um carro ter batido contra o estabelecimento atingindo Liu, que quebrou a clavícula, e um funcionário, que perdeu as duas pernas. O motorista não prestou socorro. Liu ficou traumatizado com o episódio e desistiu da empresa.
A partir daí, Liu Arruda resolveu focar na carreira artística e juntou-se ao Grupo Gambiarra, que fazia teatro de rua na Capital. Desenvolveu vários trabalhos junto à equipe no final da década de 80 e início dos anos 90, como a peça A Virgindade Contestada e As Dondocas da República das Flores.
O artista também trabalhou por 10 anos como professor no colégio Pernalonga, em Cuiabá, dando aulas de Educação Artística, Teatro e Redação. Foi ainda repórter da TV Centro América, filiada da Rede Globo na capital mato-grossense, por um curto período.
Liu Arruda era sistemático e extremamente profissional em todos os seus trabalhos. Como sofria de insônia, grande parte de seus projetos eram elaborados durante a madrugada. Bianca de Arruda, sobrinha do ator, relembra várias demonstrações da personalidade forte do tio, já que trabalhou com ele durante algum tempo. Ele sempre foi brincalhão, gostava de sacanear as pessoas, mas ao mesmo tempo era sério com as suas obrigações, gostava das coisas certas e de cumprir horários, enfatiza.
O tino empresarial era muito marcante nas ações de Liu. Era um homem visionário e sempre foi seu próprio patrão. Em meados dos anos 90 ele abriu o bar Teatro de Varanda, que depois passou a se chamar Nó de Cachorro. O local era palco de espetáculos e a ideia era dar oportunidade aos artistas regionais a apresentarem suas peças à sociedade cuiabana, sem distinção de classe social. O objetivo era popularizar as manifestações culturais.
O ator fez muito sucesso quando foi garoto propaganda do antigo supermercado Trento Junior. Liu também participou das novelas O Campeão, da TV Bandeirantes e A Lenda, da extinta TV Manchete. Também fez uma breve participação na novela da TV Globo Suave Veneno e, ainda, lançou o CD Ocê Qué Vê, Escuta, com catorze faixas, sete músicas e sete piadas.
Era unanimidade entre os cuiabanos e amigo de muita gente importante da cidade. A personagem Comadre Nhara, resultado da parceria entre o ator e o diretor Chico Amorim, foi a mais querida da população da cidade e chegou a ganhar coluna de jornal impresso e programa de televisão.
Durante a sua carreira, a relação do artista com a família foi se distanciando, já que os familiares tornaram-se evangélicos e ele cada vez mais envolvido com o trabalho. Dessa forma, Liu foi se aproximando cada vez mais dos amigos e de sua platéia. Por outro lado, o ator era conhecido pelo temperamento forte e por não ter muitos limites para conseguir o desejado.
Liu Arruda contraiu o vírus do HIV, mas não contava a ninguém. Quando ficava mal por causa da doença, ia espairecer no Rio de Janeiro. O tratamento o engordou muito e como a Ramona, uma de suas mais importantes personagens, era uma mulher esbelta, Liu resolveu fazer uma lipoaspiração. Como a família era contra, não revelou nem quando nem com qual médico iria fazer a cirurgia. Após o procedimento cirúrgico, Liu pegou infecção e foi encaminhado para a Unidade de Tratamento Intensivo (UTI), do Hospital Santa Rosa, em Cuiabá. Seu rim parou e teve que fazer diálise.
Ao ter alta hospitalar, voltou ao trabalho. Era muito teimoso e não compartilhava com quase ninguém o fato de ser soropositivo. Liu Arruda faleceu no dia 24 de outubro de 1999, aos 42 anos, na Santa Casa de Misericórdia, na Capital.
Após a sua morte, Liu Arruda recebeu várias homenagens pelo seu trabalho como artista mato-grossense, com destaque a Sala Liu Arruda no Museu do Rio e Espaço Cultural Liu Arruda do Tribunal de Contas de Mato Grosso inaugurado em 2009, ambos locais em Cuiabá.
O artista também foi tema da exposição Quarto de vestir – Exposição dos figurinos de Liu Arruda, que teve a curadoria de Juliana Capilé em 2008. O evento reuniu figurinos e fotografias do ator, que ficaram expostos no Museu da Imagem e do Som (Misc), na Capital. Na opinião da curadora, Liu foi um grande talento e contribuiu de forma intensa para o fomento da cultura no Estado. Liu foi um grande ator, de uma capacidade cômica impressionante. Ele improvisava com muita rapidez e estava sempre atendo a qualquer movimento da platéia. Conseguiu uma projeção que poucos experimentaram por aqui, completa Capilé.
No início dos anos 90 surgiu a parceria entre o Liu Arruda e Ivan Belém, que juntos fizeram sucesso na noite cuiabana com as personagens Comadre Creonice e Comadre Nhara. A proposta da dupla se deu quando parte do elenco do Grupo Gambiarra estava de férias e os dois atores tiveram a idéia de montar um besteirol cuiabano, surgindo assim a peça Elas por Eles.
Com o conhecimento adquirido nas ruas, os parceiros montaram o projeto, uma comédia para ser apresentada em teatro, cobrando bilheteria. O enredo se baseava nos textos de alguns artistas mato-grossenses, como Tereza Albues, Luiz Carlos Ribeiro e Israel Figueiredo. O espetáculo foi encenado no Teatro da antiga ETF e também rodou bares, boates e residências da Capital. Ivan conta que a peça acabou sendo um divisor de águas na vida profissional de Liu, que a partir de então passou a ser reconhecido pelo público cuiabano, seu nome foi massificado gerando muita fama ao ator.
A parceria com Belém deu mais do que certo e a dupla dividiu o palco em diversas peças, como Nossa Gente, Nossos Valores, patrocinado pelo extinto Banco do Estado de Mato Grosso (Bemat), dirigido por Meire Pedroso com texto de Ivan Belém, Liu Arruda, Marilza Ribeiro, Maurício Leite e Meire Pedroso. Cuiabá Digoreste também foi destaque da parceria entre os atores, que chegaram a ganhar dinheiro com os espetáculos. O texto de Chico Amorim tratava com irreverência e bom humor o modo de falar cuiabano.
Para Ivan, a improvisação sempre foi uma das grandes qualidades do Liu, além da facilidade para memorizar textos – ele era capaz de fazer piadas com o público e, ao mesmo tempo, contar o número de pessoas na platéia. Sobre o convívio entre eles, Belém conta que ele tinha momentos de muita irritação e mau humor, mas seu profissionalismo e senso de humor superavam qualquer coisa.
Em 1989, ainda junto ao Gambiarra, Liu Arruda participou da peça As Dondocas da República das Flores, texto de Marilza Ribeiro e direção de Chico Amorim. O espetáculos ficou em cartaz no Teatro Universitário da antiga Escola Técnica Federal, hoje Instituto Técnico Federal de Mato Grosso (IFMT), uma das poucas incursões do grupo pelos palcos. A peça se insere na categoria de teatro popular e o elenco era formado por Claudete Jaudy, Ivan Belém, Liu Arruda, Mara Ferraz, Meire Pedroso, Roberto Villas-Boas, Toty Martins e a participação especial de Raony Ricci, filho de Meire. A peça foi a mais cara de toda a história da equipe, já que a montagem, cenário e figurinos consumiram 10 mil cruzados na época.
A trama se passa mais ou menos na década de 50 e gira em torno de duas dondocas famosas, donas dos principais bordéis da cidade – Flor de Maçã e Flor de Tarumã –, onde coronéis e políticos se encontram e muita confusão acontece. Na ação, Liu representava o papel de Manduca Clarinete, um violeiro e boêmio incorrigível, namorado da Vivi, personagem vivida por Meire Pedroso. O ator também encena Argemiro Paixão, um deputado um tanto mau caráter da União Democrática Nacional (UDN).
Junto de Chico Amorim, Liu focou seu trabalho na política. A peça Cidade Pedra Lascada marca o encontro com o diretor. Assim, dondocas e políticos passaram a ser matéria prima dessa parceria. Foi a partir daí que surgiu a personagem mais famosa de sua carreira: a Comadre Nhara.
Dama da sociedade, Nhara era a típica cuiabana sem papas na língua e seu alvo eram os políticos do Estado e suas respectivas esposas. Junto a Chico Amorim, o ator deu vida a uma família imaginária onde, além de Nhara, participavam seu esposo Compadre Juca e os filhos Ramona e Gladstone.
Nhara e as demais personagens de Liu Arruda esbanjavam humor e senso crítico do linguajar cuiabano e comportamentos regionais. Elas surgiram em uma época em que o fluxo migratório era intenso no Estado e esses novos moradores criticavam os hábitos e costumes da população mato-grossense. Percebendo a situação, Liu resolveu dar vida a personagens populares, valorizando as características do seu povo, principalmente o sotaque e tentando fazer com que a população se orgulhasse das suas raízes.
As produções com Chico Amorim eram sempre rápidas, já que em algumas ocasiões 10 dias eram suficientes para a montagem de um espetáculo. Primeiro eram escolhidos algumas personagens e os principais acontecimentos, depois eram montados os quadros. Amorim foi responsável por algumas mudanças na galeria de personagens do Liu.
Ao longo de 25 anos de carreira, Liu Arruda encenava textos que satirizavam a sociedade cuiabana, criticando os encaminhamentos sociais e políticos da cidade por meio das 40 personagens que interpretou. Certamente, foi o artista mato-grossense mais popular desde a década de 80. Sua irreverência, característica marcante do ator, fez com que ele fosse unanimidade em todas as classes durante o seu período de atuação como artista.
O primeiro contato com o teatro foi em 1968, no colégio Salesiano São Gonçalo, época em que era aluno da instituição. Na ocasião, fez a dublagem de Balada Para um Louco, versão de Moacir Franco para a música de Astor Piazzola. Nos anos 70, fez parte do Pequenos Gigantes, grupo de teatro amador bancado pelo Serviço Social da Indústria (SESI), onde conheceu Ivan Belém, que posteriormente tornou-se amigo e parceiro profissional de Liu. Com o grupo, atuou em diversas apresentações em escolas da Capital, entre elas As Monerinhas.
A paixão pelo teatro de rua surgiu quando participou de uma oficina teatral com Amir Haddad – famoso dramaturgo brasileiro –, durante o tempo que fazia faculdade no Rio de Janeiro. Nos anos 80, Liu fazia teatro de rua e um dos palcos era o terminal de ônibus do bairro CPA 1, em Cuiabá. O ator costumava fazer duras críticas sobre políticos que atuavam na época. Segundo a irmã de Liu, Cleuza de Arruda, o irmão chegou a levar uma surra por falar demais. Ele apanhou tanto que teve que ficar escondido em uma chácara até a poeira baixar, disse.
O artista se juntou ao Grupo Gambiarra em 1986, onde trabalhou com os atores mato-grossenses Claudete Jaudy, Ivan Belém, Mara Ferraz, Meire Pedroso, Roberto Vilas-Boas, Toty Martins, entre outros. O grupo encarava a rua como espaço cênico possível, realizando intervenções nas ruas, praças, bares e em movimentos de interesse popular, na tentativa de transformar o espaço cotidiano em espaço poético, em busca de contestação e perturbação coletivas. Por meio de espetáculos populares, o Gambiarra acreditava que tinha a função de ampliar o seu espaço de atuação, já que para os seus componentes, o teatro deve contribuir para a superação da marginalidade e não para a sua consolidação.
O primeiro trabalho no grupo foi a peça Avoar, um espetáculo infantil dirigido pelo próprio Liu e escrita por Wladimir Capella. A peça fazia parte do projeto A Escola Vai ao Teatro, promovido pela Casa da Cultura e Prefeitura de Cuiabá, com o apoio da Coordenação de Cultura do Teatro Universitário. No elenco estavam Claudete Jaudy, Ivan Belém, Mara Ferraz e Meire Pedroso. Os músicos eram Paulo Souza e Paulo Sérgio, que também desempenharam a função de direção musical e Augusto Prócoro foi responsável pela coreografia, cenário e figurino. Curiosamente, Avoar foi a primeira apresentação do Liu no grupo e também a última peça apresentada pelo ator antes de morrer, em 1999.
O figurino da peça era estereotipado e um tanto exagerado. Jeová Torresmo tinha uma grande barriga postiça, enquanto Ludovica usava óculos enormes e roupas de senhora. As roupas da Felícia eram mais parecidas com trajes de uma cafetina do que uma parteira e em todas as cenas carregava uma tesoura cenográfica gigantesca.
De acordo com o diretor do espetáculo, o figurino era inspirado no Teatro do Absurdo, gênero que surgiu na metade do século XX e tinha a característica de representar no palco a crise social que a humanidade vivia, apontando os paradigmas e os valores morais da sociedade como fatores principais para as dificuldades. Tendo como principal fonte de inspiração a burguesia ocidental, essa vertente desvela o real como se fosse irreal, com forte ironia, intensificando as neuroses de personagens que divulgam o homem como um ser sofredor, que chaga as últimas conseqüências, resultando sempre no atrito, na revolução e na crise. Essa linguagem é embutida não só nas palavras das personagens, mas sim em todo o contexto, já que cada elemento no Teatro do Absurdo influencia a mensagem, inclusive os objetos cênicos, a iluminação densa e utópica e os figurinos.
A história começa com Ludovica, uma beata incorrigível e cheia de energia, recitando em voz alta uma oração para casar embalada por uma música barroca de fundo musical. À medida que recita a prece, uma sutil excitação vai tomando conta do seu corpo, obrigando-a a usar um leque para poder se recompor. A senhora é dona da Flor de Liz, uma porquinha criada por ela como se fosse uma filha.
Seu Jeová Torresmo, vizinho de Ludovica, é suinocultor e empresário do segmento agropecuário. Um dos seus negócios trata-se de um banco de sêmen, onde espermatozóides dos porcos são usados para enxertos artificiais em toda a América Latina. Pau de Sebo é o seu melhor reprodutor e, por conta disso, recebe tratamento diferenciado. Toma banho com xampu perfumado três vezes ao dia e dorme em uma pocilga azulejada e refrigerada em temperatura variando entre 18º e 22º.
O impasse começa quando Seu Jeová acusa Flor de Liz de ter tido um caso amoroso com Pau de Sebo e exige de Ludovica o pagamento de o equivalente a R$ 2.000,00 atuais pela cobertura do seu macho reprodutor. Ludovica, por sua vez, não aceita a acusação do suinocultor alegando que a sua querida porquinha é virgem e de família. Os dois então resolvem chamar Felícia, famosa parteira da região, a fim de comprovar a tão propalada virgindade.
No primeiro momento a profissional rebela-se, afinal tem o currículo repleto de partos de pessoas importantes na sociedade e recusa-se a fazer o toque na porquinha. Somente depois da oferta de um bom pagamento, Felícia acaba concordando em fazer o exame ginecológico no animal.
A trama segue com a constatação de que a porquinha de Ludovica é virgem, mas está prenha. Após a confirmação, a apresentação encerra com o casamento entre Flor de Liz e Pau de Sebo, com direito a marcha nupcial e depois baile ao som do rasqueado cuiabano.
Assim como o figurino, a linguagem não-verbal também era inspirada no Teatro do Absurdo. Os gestos das personagens eram sempre largos e exagerados. Todo o enredo da trama era encenado na rua sem qualquer separação entre os artistas e a platéia. A peça continha elementos circenses, além de muito improviso. O ator de teatro de rua tem que pensar muito rápido, é um constante exercício para esse profissional, que engrandece ao agregar com o público que o assiste.
Ao assistir o espetáculo, o público se deparava com questões sobre relacionamento humano, além de sátiras sobre assuntos considerados tabus na época, como a virgindade, o ato sexual – mesmo que, no caso da peça, envolvesse animais – e o casamento. Os atores debochavam desses temas e abusavam do humor, o que fazia com que a platéia absorvesse a mensagem embutida na produção teatral com mais leveza.
A Virgindade Contestada, além de se enquadrar na vertente do teatro popular, também se encaixa gênero político. O diretor Luiz Ribeiro comentou durante entrevista feita pelas autoras deste trabalho em março deste ano que o teatro político não pode ter o riso só pelo riso, se não perde o tom de crítica inteligente.
O espetáculo voltou a ser encenado em 1994 com a participação de Claudete Jaudy, Ivan Belém e Toty Martins, que substituiu o ator Liu Arruda. O trio fez apresentações em praças públicas, bares e restaurantes.
Após quase 20 anos da sua primeira encenação, A Virgindade Contestada foi remontada pelo grupo de teatro independente Atores em Metamorfoses, de Tangará da Serra. Os atores fizeram diversas apresentações no Estado, dessa vez dirigidos por Carlos Briagiolli. Em janeiro de 2009, o grupo se apresentou na Praça 8 de Abril, mais conhecida como Praça do Choppão, em Cuiabá. Na ocasião, alguns protagonistas da cena teatral mato-grossense foram homenageados, entre eles o ator Liu Arruda. Com a nova montagem, a equipe ganhou o prêmio de melhor ator, melhor ator revelação e melhor figurino no 16º Festival Mato-grossense de Teatro (Femat) de 2008, além de ter sido escolhida para representar o Estado no Festival Internacional de Teatro de Florianópolis no mesmo ano.
Uma das experiências de Liu Arruda com o teatro de rua, a peça A Virgindade Contestada foi encenada no início dos anos 90 pelo Grupo Gambiarra e o seu palco principal era a Praça da República, em Cuiabá. Especialmente elaborada para o teatro de rua, o texto ressalta o absurdo de uma classe dominante, satirizando questões como a virgindade e o casamento, além de conter duras críticas ao agronegócio, um alerta ao desmatamento violento que o Estado sofria, e ainda sofre, com os senhores da soja.
Escrito e dirigido pelo dramaturgo mato-grossense Luiz Carlos Ribeiro, o espetáculo foi inspirado em trecho da obra Pedra Canga, de Tereza Albues Eisenstat. Com duração de 45 minutos, a peça dispensava cenário, já que era improvisada em praça pública. O grupo era formado pelos atores Liu Arruda, Ivan Belém, Claudete Jaudy e Mara Ferraz, além de uma banda de cinco músicos que eram responsáveis pela trilha sonora da apresentação.
Os artistas aproveitavam o final do dia, hora em que a população saia do trabalho e retornava aos seus respectivos lares, para dar início à encenação. Os atores iam para as ruas já maquiados e carregando uma trouxa de roupas, pois o figurino era vestido no próprio local. O objetivo era a interação entre os atores e o público. Liu Arruda era quem chamava as pessoas para se aproximar e, em poucos minutos, simples pedestres tornavam-se telespectadores, fazendo uma grande roda em torno da praça.
O fio condutor da ação é no município de Livramento, na Grande Cuiabá, onde Ludovica, personagem central da trama encenada por Ivan Belém, e Seu Jeová, interpretado por Liu Arruda protagonizam a história. A peça contava ainda com Felícia, a parteira da cidade e amiga de Ludovica, interpretada alternadamente por Claudete Jaudy e Mara Ferraz.
Liu Arruda era conhecido pelo profissionalismo e dedicação a todos os trabalhos que participou, seja como idealizador ou apenas ator. Era organizado e contundente, sempre defendia suas idéias com veemência. Tinha uma paixão por poetas brasileiros, como Fernando Pessoa. Na tentativa de qualificar seu trabalho, Liu estrelou peças mais sérias como Pessoa em Linha Reta em 1991, junto ao amigo Ivan Belém, apresentada na casa de espetáculos Teatro de Varanda, que era dirigida pelo próprio ator. Prata da Casa em Noite de Ouro também marcou esse novo momento na carreira do artista. Em apresentação única no teatro da UFMT, o ator Pedro Henrique Calhao recitou e Liu interpretou textos dos escritores regionais Manoel de Barros e Silva Freire e dos nacionais Fernando Pessoa, Manoel Bandeira, José Régio, Augusto dos Anjos e Astor Piazzola, além de compositores nacionais e internacionais. O espetáculo foi dirigido por Chico Amorim.
A nova fase do ator, que estava empenhado em produzir trabalhos mais sérios e intelectualizados, não emplacou com o público regional. Os fãs de Liu gostavam mesmo é de assistir as personagens debochadas e engraçadas já consolidadas na cena teatral regional.
Em 1994, o artista protagonizou Rádio Oportunidade, espetáculo fruto da parceria com Chico Amorim. Dois anos depois, em 1996, a dupla Amorim e Arruda entram em cena novamente com Roupa Sudjo se Lava em Casa, baseada em relatos bem humorados dos fatos recentes da vida política e social de Mato Grosso.
A personagem que Liu encarna para contar as histórias é a Redugera, mais conhecida como Dedê, uma empregada doméstica que antes era coadjuvante nas apresentações, mas que nesse espetáculo tornou-se protagonista. Ela é a típica funcionária que fuça bolsas de madames e bolsos de cavalheiros para ver se encontra algum objeto que possa dar início a uma fofoca. Dedê aprendeu a ler no Mobral com o único objetivo de não perder nenhum bafão. Praticou a leitura em bula de remédios e em panfletos distribuídos nas ruas da cidade, passando a ler colunas sociais de todos os jornais. Ela é influente na classe das domésticas, já que é íntima de todas as funcionárias dos ricos e famosos da Capital e sabe tudo que acontece por cima e por baixo dos panos.
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